Crónica
“Antes cabras que aviões”
Há dias li um artigo no jornal Público,
o qual se apresentava com o intrigante título "Antes cabras que
aviões". Na prática, o texto da autoria de Henrique Pereira dos
Santos referia que uma das grandes ameaças da floresta, os
incêndios, poderia ser "inteligentemente gerida" com o recurso à
caprinicultura e assim "não precisar dos melhores meios possíveis,
os aviões, para a tentar combater".
No artigo pode ler-se que 500 mil
euros dariam para financiar, a 5 anos: a gestão de 2.500 a 5.000
hectares, um rebanho com 200 cabras e o apoio técnico necessário ao
uso do fogo (quer na prevenção, quer no combate). Por outro lado, o
dinheiro gasto na aquisição de um Canadair (27 milhões de euros)
poderia ser utilizado no financiamento de 50 projetos que se
aplicassem a uma área geograficamente definida e que usassem, de
forma integrada, fogo, cabras e sapadores para gerir o mato. Com
este montante poderíamos falar de um plano de gestão e combate em
cerca de 100 a 200 mil hectares.
O artigo tem ainda implícita uma
questão fundamental: a da sustentabilidade futura. Esta é garantida
pelo facto de as cabras se reproduzirem e de criarem oportunidades
de negócio incríveis, já para não falar da criação de emprego, da
presença de gente no território, do equilíbrio territorial ou da
transferência de recursos entre o litoral e o interior.
Como vantagens da caprinicultura,
pode ler-se ainda que as cabras são de fabrico nacional, constituem
recursos renováveis, estrumam o solo e aumentam a sua
produtividade, criam cabritos e no final da sua vida útil, podem
ser convertidas em chanfanas. Se a tudo isto somarmos o seu
contributo na prevenção dos incêndios florestais, podemos ainda
repensar a promoção da imagem desta fileira, traduzida num
acréscimo de valor que não se deve ignorar.
Numa época como esta, em que se
vive o Festival Gastronómico do Cabrito Estonado e do Maranho no
concelho de Oleiros, duas especialidades que derivam diretamente da
exploração caprina, esta parece-me uma altura oportuna para
refletir em torno do papel da caprinicultura na prevenção dos
incêndios florestais, garantida pela vigilância e limpeza do espaço
florestal, temas muito pertinentes hoje em dia.
Como se sabe, no concelho de
Oleiros esta é uma velha atividade que se tem mostrado capaz de
gerar riqueza. Em geral, a zona do Pinhal está vocacionada para a
caprinicultura, apresentando fortes tradições neste setor. A
exploração caprina, com os seus subprodutos decorrentes do
aproveitamento da carne e do leite (para produção de queijo), pode
representar uma perspetiva interessante de desenvolvimento
integrado, afetando de forma eficiente os recursos disponíveis.
A atestar este facto, a espécie
pecuária mais representativa da região e com maior capacidade de
adaptação é a cabra, sendo esta a única que em regime extensivo
(pastoreio ao ar livre) ou semi-intensivo (estabulação em curral
conjugado com pastoreio ao ar livre) pode valorizar os recursos
forrageiros e adaptar-se às condições existentes.
Por este motivo, o efetivo caprino
da zona do Pinhal representa 48% do efetivo caprino existente em
toda a Beira Interior, sendo a raça predominante a raça autóctone
Charnequeira. Para termos uma ideia, em 1999 o setor caprino no
concelho de Oleiros tinha um peso na sub-região do Pinhal Interior
Sul de 19,6%.
Num território essencialmente
rural, como o nosso, faz todo o sentido pensar em cabras em vez de
aviões, conferindo novamente peso económico a este setor e
restituindo aos pastores uma das suas funções de sempre enquanto
"guardiães da floresta".
Inês Martins
Engenheira Agrónoma