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Jornal do Concelho de Oleiros | Francisco Carrega | Periodicidade: Trimestral | Março 2024 nº90 Ano XXII
Reflexão Pandémica
E de repente tudo mudou

erciliaVivia-se uma vida em que nem as 24 horas do dia chegavam para tudo o que precisávamos de fazer, o trabalho sempre a exigir mais e mais, os horários de trabalho a alargar, a vida a mecanizar, onde se privilegiava o ter em detrimento do ser, não havia tempo para parar! Para pensar! Para fazer o que dava prazer! para cuidar do nosso próximo:

"não tenho tempo" era a palavra de ordem.

Mas heis que um dia, muito, mas mesmo muito longe, alguém ficou doente, parece que com um vírus novo e já havia tantos agora mais um! pois! Mas ao que parece provoca uma doença que pode ser mortal Ah! E também se propaga com muita facilidade…mas na correria da vida pensou-se, deixa lá isso! Não tenho tempo para pensar nisso! Claro que "isso" não chega cá e mesmo que chegue não chega a nós.

E como aquilo que é com os outros nos passa um pouco ao lado, afinal temos tanto com que nos preocupar e com o mal dos outros podemos bem, a não ser para dar umas opiniões ou mandar uns bitaites, afinal fica sempre bem opinar, de preferência nas redes sociais por detrás de um ecrã onde não nos confrontam olhos nos olhos.

Mas voltando ao vírus a verdade é que ele chegou cá, a este País de brandos costumes à beira mar plantado e primeiro de forma lenta pelo Norte e grande Lisboa, mas que rapidamente e ao ritmo da vida que lavávamos, alastrando aos vários pontos do Pais e nos foi fazendo parar e parámos!!!

Paramos por diversas razões, primeiro porque agora também já era connosco, paramos de medo, ninguém sabia e nem hoje ainda sabe muito bem como se comporta este vírus, paramos porque era preciso parar e ate paramos por iniciativa própria, porque aquilo que só acontecia aos outros pode mesmo acontecer-nos a nós e sendo assim vale mais prevenir que remediar, acatamos as indicações da DGS, fomos no entanto opinando aqui e ali, mas quietinhos e à janela a bater palmas aos profissionais de saúde pelo seu heroísmo, esses que nunca puderam parar.

Mas afinal conseguimos! Custou alguns meses de confinamento, de sacrifícios, de ter de ficar em casa, de termos de fazer vários papeis entre os quais os de professores dos nossos filhos, não fosse já chegar o de pais, mas pronto! Valeu a pena e até tivemos um louvor, Portugal portou-se exemplarmente e teve os melhores resultados comparativamente com outros países! e heis que chegou o dia da tão esperada liberdade e nesse dia vimos os altos dirigentes do estado, ao tirarem-nos da prisão, pasme-se!!! de calções na praia a promover o nosso País além-mar, a transmitir confiança de que estava tudo bem! venham viver! venham ajudar! Façam férias cá dentro, Portugal precisa de todos, venham recuperar o tempo perdido. Pois! Se calhar era melhor ter sido de uma forma mais cautelosa, mais aconselhada com outros, que como nós já tinham passado pelo mesmo, mas ainda assim lá fomos viver um verão "mascarado" de normalidade aparente.

Começamos a aligeirar os comportamentos seguros, afinal ate tivemos um louvor vamos lá usar o prémio à boa maneira portuguesa, mesas fartas, famílias reunidas, tardes de esplanadas com amigos, e por um mês voltámos a ser felizes (alguns), pois o vírus não parou e foi fazendo das suas, nomeadamente invadindo estruturas residenciais de pessoas vulneráveis, os nossos idosos já privados de tanto e agora ainda mais da presença dos seus entes queridos e da sua pouca liberdade e lentamente da sua saúde e que este vírus vitimou muito, muitas foram as pessoas

que perderam a vida, famílias mutiladas, perdas irreparáveis. Mas… era preciso continuar a viver e produzir, a economia não aguenta frescuras de vírus.

E foi-se vivendo uma aparente normalidade nos meses quentes, mas heis que findo o verão e as supostas férias do vírus, ele nos volta a invadir em força e até antes do tempo, o que ninguém esperava, nem mesmo os altos dirigentes da nação outrora tão confiantes.

E de indecisão em indecisão, sim ao Natal… não ao Natal… punir os Concelhos que se "portaram mal" beneficiar os que se "portaram bem", dizia eu, de dúvida em dúvida de comunicados em comunicados, de reuniões em reuniões, de emergência em emergência … lá fomos todos (alguns) parar a casa outra vez!!! Confinados até que a situação volte a melhorar.

Mas parece-me a mim que agora o espírito já não é o mesmo e já ninguém esta interessado em medalhas de mérito por bom comportamento. As pessoas estão cansadas, ansiosas, deprimidas, sofrem de solidão, perderam muito porque afinal também chegou a si, vivem assolados com números cada vez mais assustadores e já ninguém aguenta ser castrado no seu bem mais precioso a saúde física e mental e no que de mais fundamental foi conquistado, a sua liberdade.

A mim particularmente preocupam-me muitas coisas, os efeitos do vírus, a falta de consciência do problema ainda por parte de muitos, a falta de capacidade de resposta à pandemia por parte dos hospitais e dos próprios profissionais de saúde já exaustos, o sentimento de frustração por um trabalho e investimento inglório de muitos destes profissionais, os efeitos futuros na saúde mental de todos, mas de uma forma particular preocupa-me que depois de um ano a viver desta forma atípica, aflitiva e desesperante, haja ainda uma grande parte de nós que não seja capaz de cumprir a sua parte e que é tão simples e fácil em todo este processo, pondo em prática gestos tão simples como:

Lavar e desinfetar mãos

Usar máscara

Evitar aglomerados

Manter distanciamento

Usar regras de etiqueta respiratória

Proteger-se protegendo o próximo

Estou certa que se houver um depois do vírus, que também ninguém sabe se vai haver, nada mais será igual, o medo sempre estará presente, o vírus junto com a solidão e tantos transtornos emocionais, já terá ceifado muitas vidas e a saúde mental de todos carecerá de uma atenção redobrada.

E lamento que o que nos deveria ter mudado para melhor, na forma de ver a vida e o seu inestimável valor e na forma de agir com o próximo, a preocupação em sermos melhores, em sermos agentes facilitadores em sociedade, não tenha sido beliscado, nem tenha sido um resultado desta tormenta que vivemos, pois vemos diariamente dedos apontados ao próximo dando relevo ao negativo e raramente realçando o positivo.

Agora que temos todo o tempo do Mundo façamos uma reflexão profunda e mudemos por nós e por todos!

Ercília Silva Ventura
Enfermeira Gestora
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