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Jornal do Concelho de Oleiros | Francisco Carrega | Periodicidade: Trimestral | Março 2024 nº90 Ano XXII
opinião
A definição do Vinho Callum

historica.jpgGenuíno de Oleiros, Callum é um vinho branco proveniente de uma casta com o mesmo nome, o qual deriva provavelmente de "pele dura, crosta" em latim e que devido à sua elevada tolerância à humidade, habita junto das linhas de água, facto pelo qual resistiu a pragas e doenças.

Em documentos da Ordem de Malta de finais do séc. XVI, aparecem referências a "altas videiras em salgueiros e amieiros",

o que indicia a presença de "caluas" em Oleiros, numa altura muito anterior ao ataque de filoxera no nosso país. Já no séc. XIX, a Lista de Castas de Videiras Portuguesas identificadas pelos serviços ampelográficos e enológicos governamentais identifica esta casta e atribui-a a este concelho.

O vinho foi perdurando no tempo e atualmente a sua produção está confinada a alguns (poucos) produtores tradicionais, a maioria com uma certa idade e que utilizam técnicas de vinificação muito variadas. Hoje não podemos falar de Callum mas sim de vários Calluns.

Este secular hábito de consumo entre as gentes de Oleiros foi resistindo e segundo os especialistas, a degustação do vinho "é uma emoção" que nos remete para uma viagem no tempo, até à época medieval, numa altura em que os vinhos, ao contrário de hoje, não levavam qualquer tipo de tratamento, pelo que na sua versão original se pode considerar um vinho biológico.

Face à diversidade de vinhos Callum existentes no território, urge pensar na definição deste "emocionante vinho histórico". Há que entendê-lo antes de o degustar e acima de tudo, defini-lo, para podermos apresentar e oferecer um produto genuíno, de qualidade uniforme e detentor de valor acrescentado, uma vez que nos transmite um manancial de experiências numa só.

Se nos reportarmos às técnicas de viticultura utilizadas, estas evidenciam marcas de medievalidade, nomeadamente na forma de condução das "caluas". Pelo território são frequentes os espaldares de madeira a sustentar as videiras nas bordaduras das propriedades e já em 1881 o Bispo de Angra referia que "grande abundância de mosto provinha antigamente das videiras que circundavam as propriedades em terra baixa e forte, as quais eram elevadas em toscas grades de paus de castanheiro e varas de pinheiro, que chamavam "jangadas", produzindo assim muitas uvas, mas nunca amadureciam perfeitamente". Conclui-se que este é também considerado um "arcaísmo vitivinícola".

Esta experiência enológica medieval é ainda atestada pela existência de outros arcaísmos no território, para além dos já referidos espaldares de madeira ou do sistema de condução "em enforcado", em que as videiras trepam sobre tutores vivos junto às linhas de água, nas galerias ripícolas. A presença de barris de madeira, dos lagares em pedra (xisto) ou da famosa prensa de Catão (vara e fuso) que ainda hoje persistem em algumas adegas ancestrais, são considerados vestígios dessa época. Também à boa maneira medieval, o vinho vermelho ("clarete" ou "palhete") seria o de todos os dias e o branco ("Callum") era bebido em dias de festa.

Considerado um "tesouro antropológico", este é um vinho diferente, de elevada originalidade, que deve ser percebido por quem o prova. Importa agora, enquanto decorre o processo que levará à sua definição e afinação como produto único, que as pessoas que o dão a provar o entendam e consigam explicar a quem o degusta.

Só desta forma se consegue transmitir aos seus provadores toda a emoção e originalidade que uma viagem no tempo pode proporcionar, ao serem transportados até à Idade Média, numa altura em que os vinhos mais valorizados eram os brancos, possuíam características organoléticas distintas daquelas a que estamos habituados atualmente (apresentavam um ligeiro e sugestivo acre mais acético) e ao contrário de hoje, não levavam qualquer tipo de tratamento. 

Este emocionante vinho histórico, nalguns casos muito próximo do biológico, deve ser apreciado in loco, em ambiente rural e preferencialmente, nas típicas adegas em xisto que existem dispersas pelo território e que exibem tão valiosos arcaísmos antropológicos que importa desvendar.

 

 

Inês Martins
Engenheira Agrónoma